… dos 3 erros fatais numa reestruturação empresarial.
Perda da Visão Macro
Em 1997 quando Steve Jobs retornou à Apple para reestruturá-la e levá-la a ser a empresa mais valiosa do mundo cerca de uma década depois, ele fez uma observação sobre a dispersão de energia dentro da empresa. Ele se referiu a diversos produtos que estavam sendo desenvolvidos dizendo que microscopicamente eles faziam muito sentido, mas macroscopicamente não faziam nenhum. Em outras palavras, sua crítica era de que a empresa sofria de excelentes engenheiros mas péssima gestão.
A situação encontrada nas empresas que demandam reestruturação é sempre de muita carência por direção. Uma vez dentro da empresa numa posição de liderança executiva, inúmeros problemas são apresentados a você para resolver. Sem disciplina para impor uma estrutura hierárquica com pessoas competentes para lidar com problemas em escalas menores, o executivo principal acaba sendo puxado para solucionar problemas em escala micro. É o chamado micro-management (“gestão em escala micro”).
Além da questão hierárquica com estabelecimento de alçadas de responsabilidade, muitos problemas surgem de forma sistêmica nas empresas. Reclamações de consumidores, por exemplo, precisam ser tratados de forma sistêmica. Nem todos os consumidores serão atendidos, nem todos os problemas serão endereçados e nem todos os problemas endereçados serão resolvidos. Porém, a visão do todo precisa ser mantida para garantir a máxima criação de valor para a empresa com os recursos disponíveis.
Nas minhas dezenas de entrevistas com executivos em busca de ajuda de um reestruturador, de uma forma ou de outra encaixo o seguinte questionamento: se você tivesse neste momento X milhões de reais adicionais à sua disposição, qual seria o melhor uso deste dinheiro na empresa?
Incrivelmente esta questão, aparentemente trivial, está muitas vezes longe do alcance dos executivos em empresas em distress. Não é porque sejam executivos despreparados ou desqualificados, o motivo desta questão não estar clara na cabeça deles é porque estão tão mergulhados em problemas do dia a dia que já perderam a visão macro.
Dinheiro é recurso. Tempo também é recurso. A outra questão que ponho em pauta é: qual é a melhor dedicação do seu tempo na próxima semana? Onde deveria estar focando a maior parte de seu tempo e energia para agregar o maior valor para sua empresa?
Esta é uma questão que traz à tona reflexões que os executivos tampouco parecem estar visitando conscientemente. Na verdade, a rotina numa empresa em distress é moldada pelos incêndios que surgem no dia a dia. Sem esforço e disciplina do executivo para se dedicar às matérias mais relevantes, este acaba desperdiçando sua energia em assuntos que estendem a vida da empresa, mas que não contribuem para a construção de uma solução definitiva e sustentável.
Imagine-se num labirinto, daqueles com paredes altas cheias de folhagem. Por onde você passa tudo parece igual. Para quem está no labirinto, sem nenhum auxílio, a angústia se transforma em desespero e a possibilidade de sair dali fica cada vez mais distante.
No dia a dia das empresas em severa crise financeira, os problemas emergenciais brotam aos montes, a todo instante. Todo dia há pelo menos um grito de socorro por algum departamento. Alguns problemas com os quais lidamos corriqueiramente – e às vezes vários destes no mesmo dia – são:
- um insumo crítico que não chegou, pois o fornecedor não quis despachar por falta de pagamento;
- uma notificação ameaçando cortar o fornecimento de energia;
- uma ameaça de greve pelo sindicato;
- uma discussão malconduzida entre dois executivos deixando um clima terrível na empresa;
- um oficial de justiça querendo arrestar algum ativo essencial da companhia;
- a notícia de perda de uma determinada disputa judicial crucial para a empresa;
- ataques de concorrentes ou outros stakeholders interessados na quebra da empresa via imprensa com notícias caluniosas;
- uma decisão atravessada de um acionista deixando os executivos mais confusos e inseguros sobre a estratégia da empresa;
- dificuldade no fechamento de uma venda crucial para a continuidade da operação;
- a negativa de crédito para descontar recebíveis necessários para o pagamento da folha do mês.
Todos esses problemas precisam ser endereçados e resolvidos, é claro. Porém, em meio a tantas questões para resolver, há uma tendência do gestor de Turnaround a perder a visão macro e aprofundar sua energia e foco na solução de cada um dos problemas individuais que aparecem.
Soma-se a esta tendência o fato de que os profissionais da empresa passando por uma reestruturação estão lidando com problemas que não são corriqueiros para eles, com os quais não estão habituados. Isso leva o gestor de Turnaround a se aprofundar mais em detalhes das soluções dos problemas para que a equipe compreenda tais soluções. Neste cenário, há o perigo do gestor de Turnaround se aprofundar demais nos detalhes e se perder dentro deles. Um labirinto dentro do labirinto.
Por isso, o Turnarounder precisa manter uma constante consciência da necessidade da visão macro.
A visão macro é fundamental para ter a clareza de quais problemas resolver de forma a agregar o maior valor para a empresa. Em meio a tantas ações necessárias é preciso ter clareza daquelas que devem ser priorizadas em detrimento de outras.
É preciso deixar de lado algumas demandas, dada a insuficiência de recursos para resolvê-las todas. Neste caso, o principal recurso limitador é o tempo dos profissionais efetivamente capazes de resolver os problemas, os gestores de Turnaround.
Às vezes o gestor de Turnaround é chamado por um executivo da empresa que lhe apresenta um problema tido como de máxima importância para este em sua unidade de negócio. Após avaliar o problema conclui-se que é melhor não fazer nada. Imagine a indignação do executivo que vê no Turnarounder um aparente desdém ao problema apresentado.
O Turnarounder consciente e com a visão macro precisa aprender a viver com tal julgamento e com o sentimento de insuficiência ao não atender a todas as suplicações em prol do objetivo maior da corporação. Como disse Steve Jobs ao reassumir a Apple: foco é ser capaz de dizer não.
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Autor:
Pedro Guizzo, CFA, PMP
Partner
IVIX Value Creation
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