Os três erros fatais numa reestruturação empresarial | Erro fatal número 2

Erros Fatais

… dos 3 erros fatais numa reestruturação empresarial.

Confundir Resultado Contábil com Resultado de Caixa

Antes de avançar preciso esclarecer uma terminologia que usamos no nosso dia a dia como Turnarounders em nossas análises e discussões. Trata-se do entendimento do que significa Resultado Contábil e Resultado de Caixa.

Quando falamos de Resultado de Caixa, estamos nos referindo ao impacto no caixa, ou seja, ao resultado auferido com base nos extratos bancários da empresa, nas saídas e entradas efetivas de dinheiro para a companhia.

Quando falamos de Resultado Contábil, estamos nos referindo à mensuração de resultado econômico, com base no princípio contábil de competência.

Para quem não é expert contábil, vou explicar rapidamente este último conceito, que é bastante simples: quando uma empresa vende um produto em janeiro, os relatórios de resultado contábil apontam uma receita em janeiro, mesmo que o cliente tenha comprado tal produto para ser pago só dali 90 dias. A entrada de dinheiro efetivo para a companhia só ocorrerá em 90 dias.

Da mesma forma, o produto vendido em janeiro pela empresa teve um custo de produção que pode ter saído do caixa da empresa já há muitos meses, mas que só será considerado no relatório de resultado contábil no mês de janeiro, quando o princípio da competência efetivamente reconhece tal custo.

Este princípio de competência afeta diversas outras contas de resultado contábil da companhia, e os relatórios contábeis gerados com base neste conceito podem levar a conclusões equivocadas.

O princípio da competência foi iniciado pelo frade Luca Pacioli (contemporâneo de Da Vinci), com o objetivo correto de dar visibilidade para a criação ou destruição de valor de uma atividade empresarial como se as receitas e despesas ocorressem de forma simultânea. Tal conceito é muito útil pois permite parametrizar no tempo as movimentações financeiras de uma empresa. Não viso tirar a credibilidade desta forma de apuração de resultado, mas alertar para a necessidade de se ter uma visão mais ampla do funcionamento de uma companhia e mais consciente dos impactos das operações no caixa.

Além disso, quando nos referimos ao Resultado de Caixa tendemos a olhar de forma mais holística incluindo aspectos como o custo do capital empregado, valor do dinheiro no tempo e os efeitos de compensações ou acúmulos de créditos de impostos.

O impacto destes elementos no caixa da companhia podem ser mais relevantes em ambientes empresariais como o do Brasil do que no ambiente econômico-empresarial de outros lugares do mundo, sobretudo nos países onde a maior parte das lições de gestão empresarial e financeira são desenvolvidas.

Como já pode imaginar, a utilização de um conceito ou do outro pode levar a conclusões bem diferentes e até conflitantes. Se olharmos para o relatório de resultado de uma empresa concentrado num único mês, trimestre ou ano de operação, tal relatório pautado no conceito contábil pode demonstrar um resultado líquido positivo enquanto a realidade pautada no conceito de caixa pode ser negativa.

Um problema que nós, reestruturadores, enfrentamos quando a empresa está em meio a uma crise financeira é a absoluta e máxima necessidade de priorização do caixa. Neste contexto, se pautar no resultado econômico/contábil é um perigo pois pode levar a empresa ao desfecho fatal.

As decisões de continuidade de uma linha de produtos, de uma unidade fabril, de uma unidade de negócio, do atendimento a um de terminado mercado ou região, enfim, todas as principais decisões estratégicas passam a exigir um olhar quase tático e pautado nas expectativas de resultado de caixa nos curto e médio prazos.

Não é incomum, como Turnarounder, ter que tomar uma decisão de descontinuidade de determinada atividade porque o resultado desta não gera ou gerará caixa no prazo de vida que se consegue enxergar.

Empresários, empreendedores e executivos sem experiência ou treinamento para raciocinar com foco no caixa, em detrimento do raciocínio econômico que prevalece nas análises de negócio tradicionais, comumente pisam no acelerador quando é necessário frear, e freiam quando é preciso acelerar.

Três exemplos práticos:

  1. Uma empresa tem uma linha de produtos num mercado cujo cliente exige longos prazos de pagamento, em outras palavras, o cliente exige (e os concorrentes da empresa aceitam) ser financiado por alguns meses. Na ponta dos insumos, os fornecedores não concordam em conceder longos prazos de pagamento. Neste cenário, a manutenção desta linha de produtos pode ter altas margens de lucro, no sentido econômico/contábil. Mas o capital empregado para a manutenção da linha de produtos é igualmente alto. Considerando o custo de capital no Brasil, ao avaliar o resultado financeiro desta operação, a conclusão pode não ser tão positiva como anteriormente visto pelo empresário. E, em vários casos, acabamos identificando atividades destruidoras de riqueza para grande surpresa dos gestores.
  2. Outro exemplo é o de atividades que envolvem uma necessidade de investimento intensivo em capital fixo, como uma fábrica que exige renovações relevantes em suas máquinas em curta periodicidade, uma atividade agrícola que exige investimentos contínuos no tratamento do solo e renovação da cultura, uma operadora logística que precisa renovar sua frota frequentemente ou uma obra de infraestrutura com enorme desembolso inicial e pesados desembolsos de manutenção. Todos estes exemplos têm algo em comum: grande parte dos desembolsos de dinheiro realizados todo ano para manter a atividade empresarial não são computados na apuração de resultado segundo os princípios contábeis tradicionais. Um empresário ou executivo menos treinado pode se convencer que a atividade está gerando resultado, quando é possível que não esteja gerando caixa. Dessa forma, a cada ano a empresa vê seu saldo de caixa piorar, tendo que recorrer a financiamentos ou aportes adicionais de recursos dos sócios. Os acionistas então se questionam por que é que o resultado indica geração de valor, mas o caixa da empresa não melhora? E surgem as comuns explicações otimistas de que é só uma questão de tempo para o reflexo positivo surgir no caixa da empresa. Muitas vezes, passam-se anos e a situação só piora.
  3. Por último, um exemplo relativo a impostos. Muitas operações no Brasil têm a característica de acumular créditos fiscais provenientes dos insumos adquiridos. Muitas vezes os desembolsos com impostos nas compras são vultosos e acabam sendo negligenciados para fins de apuração de resultado. Então, há um “custo” efetivo, pois consome o caixa da companhia, mas cujo efeito financeiro não consta nos relatórios de resultado econômico.

Ironicamente, o pequeno empresário que faz uso de ferramentas financeiras rudimentares e avalia o desempenho do seu negócio com base no saldo bancário, normalmente tem facilidade para entender, mesmo que intuitivamente, o significado da análise financeira do seu negócio, enquanto a avaliação econômica se apresenta a este como um mundo novo e complexo.

Ser um Turnarounder, portanto, envolve reduzir a complexidade das análises, e muitas vezes dar passos para trás na sofisticação de relatórios e contabilização de resultados. É preciso entender muito bem alguns poucos conceitos, mais rudimentares do que habitualmente se pensa. É preciso colocar em prática conceitos financeiros com uma visão sistêmica, assim como o empresário menos sofisticado é capaz de fazer.

 

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Autor:

Pedro Guizzo, CFA, PMP
Partner
IVIX Value Creation

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